domingo, 9 de julho de 2017

Avenida Sete - Marceleza de Castilho


* depoimento do pintor e guitarrista Marceleza de Castilho, autor de Avenida Sete (letra)

Sou da Avenida Sete. Nasci na maternidade do Espanhol, meus avós paternos moravam defronte do colégio N. Sra das Mercês. Comecei e findei os estudos ali - maternal, primeiro e segundo grau. Nas redondezas muita sola gastei: Paes Mendonça do Politeama e Canela, Ceasa do Forte de São Pedro; Padarias diversas. Escalava o monumento do Campo Grande, quando esse ainda era de areia. Cavalgava nos leões da praça da Piedade, quando ali ainda habitavam iguanas nos flamboyants. 
Apalpava todas as estatuas do passeio público. Admirava a igreja do Aflitos, foi lá que meus pais se casaram. As lojas de animais do Dois de Julho. As coisas da Carlos Gomes. Os milhares de metros de tecido, do Rosário ao Relógio de São Pedro. Uma dezena de carnavais curtidos na varanda das Mercês, de onde acenava para as celebridades. Dormia com as percussões dos blocos afros da madrugada. Mortalhas e mamães-sacode. Assistia do segundo andar todas as confusões, com direito a estilhaços de garrafas e tudo.

Minha mãe trabalhava e ainda trabalha, na Fundação Nacional de Saúde, que fica em frente ao Museu da Bahia, no meio do corredor da Vitória - trecho que percorria diariamente com meu irmão. Durante o ginásio saíamos da escola ao meio-dia e encontravámos com ela pra almoçar. 

A idade do colegial me permitiu outras liberdades. Meus pais já haviam se mudado do Monte Serrat para o Imbuí. Eu já tinha, e ainda preservo, o hábito de acordar cedo: pegava o ônibus para o colégio, chegava bem antes o horário da aula e ia para o Politeama, ou somente até a Lapa, fazer um trecho maior de caminhada, ver os camelôs manobrando seus carrinhos, suas caixas de mercadorias. Aventuras de bebedeira. Vadiagens mil, rolés, do Pelourinho ao Porto da Barra nas aulas vagas dos dias de sol. O almoço e/ou janta na casa da vó também sempre estava disponível.
O projeto Suinga foi pretexto e fruto dessa reflexão. Mas a canção “Avenida Sete” não veio na primeira leva de canções do grupo. Foi uma segunda etapa de maturação do que estávamos fazendo. Não lembro exatamente onde cantarolei ela pela primeira vez, mas lembro que o primeiro verso veio pronto. E que o restante não teve dificuldade de sair.
Passei a tocá-la nas diversas rodas de cerveja, prosa e violão – encontros frequentes entre nós no período entre 2009 e 2012. Quando digo nós, me refiro aos amigos das muitas bandas dessa simbiótica fase-geração: Maglore, Pirigulino, Suinga, Velotroz, Vitrola Azul, Tabuleiro Musiquim, Enio, Lobão, Neologia, Truanescos, Acord, etc. A amizade acima de tudo garantia uma troca e influência mútua, muito intensa entre nós.

Já estava na França quando Teago (Maglore) me mandou uma mensagem dizendo que estava preparando o segundo disco, Vamos pra rua, e queria incluir Avenida Sete. ( “- Não precisa nem pedir, é nossa!”). Era uma música destinada à Suinga, mas que nunca chegou a entrar no repertório que na época já estava bem recheado.
                                                              Foto: Leo Monteiro
Na verdade eu ainda não tinha dado a música como pronta. Quando Teago mandou a mensagem, passei a noite escrevendo uma segunda parte e dois dias depois mandei pra ele. Ele disse que o arranjo já estava bem redondo, então somente aguardei com ansiedade o resultado. Sem me alongar muito nesse ponto digo, que simplesmente, foi emocionante eles terem gravado ela.

Assisti vídeos, trechos dos shows pelo Facebook, com participações de Diego Fox e tudo mais. Quando estive no Brasil em 2014 não coincidiu com nenhuma apresentação da Maglore. Só pude presenciar a execução da música ao vivo mesmo em dezembro do ano passado, 2016, no Museu do Ritimo, durante o Festival Sangue Novo, com direito a dedicatória e tudo. Uma semana depois subi no palco com eles para cantá-la em uma apresentação em Feira de Santana. 





2 comentários:

  1. Sempre me emociono quando ouço essa música, também sou da av. Sete, Mercês, ir caminhando até o porto ou Pelourinho. "Todo prazer de me identificar..."

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  2. Eu tenho visto aqui pedaços da minha história, entrelaçados com os pedaços da história de quem eu amo. Eu também sou do Centro, eu também sou das Mercês, eu estive nas andanças de Marcelo. Minha profunda gratidão por esse trabalho de nos manter conectados, Cebola. <3

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