Como toda lista, essa é uma
amostragem que se limita a produção musical de 2017 que este redator ouviu
durante o ano.Ela pretende dialogar com outros recortes semelhantes e assim
contribuir para a promoção e o consumo da música brasileira. Nem todas as
faixas da lista foram necessariamente trabalhadas pelos artistas como single, considerando
que este é um formato em constante mutação.
Falemos de 2017: o permanente
estado de crise moral e ética vivido pelo país durante este ano fez dele um
longo episódio de aventuras anti-democráticas em que políticos, juristas,
mídia, artistas e cidadãos se movimentaram muito; mas a todo tempo pareciam
estar perdidos entre as propostas de avanços e retrocesso anunciadas. Um estado
de delírio vivido nas cidades brasileiras que se encontra refletido também
nas músicas produzidas ao longo do ano.
Melhores Quanto ao Carnaval -
Escambau
Em "Melhores Quanto ao
Carnaval" a banda curitibana Escambau entrega ao cidadão brasileiro uma pérola
pop-irônico-reflexiva, uma faixa envolvida na missão de despertá-lo do estado de letargia. É um rock certeiro: mira na linguagem frenética para puder dar
um sacode na hipocrisia nossa de cada dia. A faixa foi o primeiro single do
álbum Sopa de Cabeça de Bagre em que a banda reflete outros temas caros à atual
situação brasileira.
Calma – Maglore
Escrita pelo baixista Lucas
Oliveira durante os ensaios de pré-produção do disco Todas As Bandeiras (2017),
"Calma" é uma carta sincera de amigo para amigo - daquelas que hoje em
dia só estão sendo encontradas mesmo em formato de canção. Segundo conta o próprio
Lucas, ela foi inspirada em um momento de superação do vocalista Teago. A pureza da faixa amplia o alcance de sua mensagem: lembra o ouvinte
de que é possível enfrentar a realidade de maneira positiva, sem necessariamente ter de soar
piegas ou alienado. Se 2017 foi um ano de superações, concerteza ele careceu
também de muita calma em suas horas.
Seu Lugar - Irmão Carlos
Nos debates sociais que marcaram
o ano de 2017, a discussão sobre o lugar de fala se fez cada vez mais
presente. O empoderamento feminino, a luta contra à discriminação racial e à
homofobia foram algumas das pautas enriquecidas por esta perspectiva. E na
música brasileira também tivemos bons exemplos de sucesso ao reunir identidade,
discurso e arte. Pincelamos aqui "Seu Lugar" - single do primeiro
álbum solo do multi-artista e produtor baiano Irmão Carlos. Na letra autobiográfica
o cantor revisita as barreiras sociais que enfrentou (e enfrenta) para conquistar o seu lugar na cena musical,
contesta a 'meritocracia' de seu interlocutor e afirma de boca cheia "eu
tô no pódio com você!". A faixa
marca um novo passo na carreira musical de Irmão Carlos em disco homônimo que
apresenta elementos de sua formação funk e rock’n roll.
Banho de Folhas - Luedji Luna
Uma das grandes revelações da música brasileira em 2017, Luedji Luna lançou o disco Um Corpo no Mundo como o desabrochar de uma grande artista: seu canto tem maturidade, diversidade, universalidade.Em "Banho de Folhas" encontramos uma canção do ar puro que ainda pode ser encontrado no cotidiano; da força de uma tradição que será devidamente legada e atualizada sem folclore ou estereótipo, uma música de poder real.
As Caravanas - Chico Buarque
Às vezes não nos damos conta da
grandiosidade que é viver no tempo de artistas como Chico Buarque, da riqueza
que a sua experiência e talento podem conferir a realidade. Em "As Caravanas",
Chico encarna a sua faceta cronista para
dissecar a hipocrisia da discriminação social brasileira. Faz bom uso da ironia
atribuindo ao Sol a culpa pela presença dos suburbanos nas praias da zona Sul
do Rio de Janeiro. Afinal, ainda não nos reconhecemos
como habitantes de um país tropical e muito ainda se gasta com palavreado sobre
nossa propensão à preguiça, à bebedeira, blá, blá, blá... aqui temos uma canção poderosa sobre o
nosso eugenismo enrustido: prerrogativa que ainda é utilizada para julgar o negro, para
marginalizá-lo, para excluí-lo.E por que não dizer, para violentá-lo?. “Filha do
medo, a raiva é mãe da covardia”.
Invisível – Baiana System
Com o recheio luminoso do canto das crianças (filhos do
Curumin), a Baiana System utiliza de sua alquimia musical para emitir uma
alerta sobre a perda da compaixão nas relações humanas. Uma faixa de batida contagiante, uma melodia pra cantar junto e um clipe belo/reflexivo.
Atrás de Você – Otto
O galego acerta em cheio mais uma vez ao cantar o Amor. O
disco Ottomatopeia é repleto de boas canções, "Atrás de Você" se destaca pela
coesão do arranjo: um groove percussivo conduzido por um riff de guitarra fuzz.
No meio dessa amálgama, o pernambucano passeia em interpretação convincente:
canta o amor que, ao mesmo tempo que machuca, é também capaz de curar.