sexta-feira, 30 de junho de 2017

Te Fizeram de Idiota Mais Uma Vez - Ricardo Longo


“Te Fizeram de Idiota Mais uma Vez” é uma canção de Ricardo Longo gravada pela banda Starla. O compositor lembra de tê-la escrito, em 2001, no fim de sua adolescência, quando começou a se interessar pelo trabalho de bandas e artistas que não estavam na grande mídia. “Parace um lance meio ingênuo hoje em dia, ainda mais com o alcance que a internet tem, mas acho que todo mundo que desvenda esse universo de bandas independentes sente esse baque de pensar ‘peraí, tem muita coisa boa que não é tão falada assim’”, argumenta Ricardo.
                                                   
                                                                          Foto: Antonio Burgos
A canção foi gravada pela Starla no seu primeiro EP O Amanhecer em Minas Gerais (2005) e ganhou nova versão no primeiro álbum Euforia (2007). A banda declarou o encerramento das suas atividades em 2010. “Te Fizeram de Idiota Mais Uma Vez” não chegou a tocar nas rádios, mas enquanto esteve no repertório da Starla ela funcionou como um grito de alerta ao público: ali, naquela cena independente baiana dos anos 00, havia muito mais do que os sucessos empurrados guela abaixo pelo que havia sobrado das gravadoras e seus artistas pré fabricados.
Era época dos primeiros discos de bandas como Dead Billies e Cascadura que expandiam sua atuação no circuito musical nacional com resenhas positivas da crítica e shows em outros estados; era também outra a relação de consumo da música: comprar os CDs das bandas ainda era uma forma de valorizá-las, mesmo que o consumidor tivesse descoberto aquele grupo por meio de download gratuito na Internet. 


“Continuo gostando muito de “Te Fizeram de Idiota Mais Uma Vez” porque o impulso que me fez escrevê-la foi um marco na minha vida como fã de música. Hoje eu compro muito menos CD físico, o que é ruim porque eu amo encartes, mas bom por outro lado porque ficou muito mais fácil para nós colecionadores importarmos discos”, conclui Ricardo.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Sol Final - João Mendes/Murilo Rafael




Sol Final é uma canção gravada pela banda baiana Pirombeira em seu primeiro álbum. Ela foi concebida inicialmente em harmonia e melodia pelo músico João Mendes. “A letra veio depois. Tinha muito tempo que eu e o amigo Murilo Rafael não nos falavámos. Em uma ligação telefônica colocamos o papo em dia, daí mandei o áudio pra ele com a ideia. No mesmo dia ele respondeu com a letra pronta”, conta João. 

Finalizada, “Sol Final” aparecia para João como uma balada até vir a ser vestida pela Pirombeira. No arranjo da banda ela aparece dançante, em um Ijexá-funk grandioso. O arranjo de metais assinado por Ian Cardoso é a cereja do bolo com direito a citação de Ginga, música dos papas do soul brasileiro Robson Jorge e Lincoln Olivetti. 
Essa não seria a primeira nem única parceria entre João e o poeta Murilo Rafael, mas aquela que guarda sobre a afinidade de buscas da dupla. “A letra dialoga muito com a nossa relação, sobre as nossas escolhas no caminho da arte, da poesia e da música”, explica João. A sintonia foi bem aceita, pois depois de lançada “Sol Final” foi selecionada entre as 50 finalistas do XIV Festival de Música Educadora FM realizado em 2016.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Amor - Gabriel Barreiros


Amor é uma canção escrita por Gabriel Barreiros - a primeira que o jovem cantor compartilha publicamente e também a sua preferida. "Ela remete à uma época muito boa da minha vida. Me inspirei no sentimento mais puro que alguém pode ter, que dá alegria de viver. Muita gente pensa que é pra alguém, mas apenas queria falar do Amor", explica Gabriel.

A música foi registrada pelo videomaker Agnaldo Mattos na apresentação de Gabriel durante o Floresças - evento de Salvador que reune agentes de práticas solidárias e culturais. "Conheci o encontro por uns amigos e escolhi tocar lá porque coincide com a proposta da música: 'enquanto viver faço questão de espalhar Amor até um lugar bem longe onde eu não possa mais ver'", conclui Gabriel citando trecho da canção. No Floresças ele é acompanhado de amigos com quem se prepara para produzir os seus primeiros projetos musicais.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Enquanto engomo a calça - Ednardo/Climério


A história do single de hoje foi colhida diretamente do Sarau de Leda Nagle realizado no Theatro NET Rio, em Copacabana. A terceira edição desta temporada teve casa cheia em plena segunda-feira para prestigiar o encontro musical de Ednardo e Amelinha.
Um dos causos contados foi a história da composição "Enquanto engomo a calça" gravada por Ednardo em 1979. O compositor cearense lembra que na época que a escreveu morava em Pinheiros no mesmo prédio do sanfoneiro Dominguinhos e do poeta piauiense Climério. Certa feita eles resolveram bater uma aposta de quem escreveria mais canções dentro do período de um mês. Nisso ficaram a trocar figurinhas, a cada dia exibiam novas criações, novos pontos na disputa.
Ednardo conta que chegado o fim do mês, Dominguinhos decretou um empate técnico na competição tamanha a fertilidade do trio. E para comemorar emendou um convite para uma cerveja juntos.
"Eu ia saindo e a minha esposa chamou atenção para o estado da minha calça. Estava, como se diz, parecendo que tinha saído da garrafa. Os primeiros versos da canção sou eu pedindo licença pro Climério pra ficar de cueca na sala enquanto a Rosane engomada a calça: 'Arrepare não, mas enquanto engomo a calça...'", revelou Ednardo.

A música seria finalizada ali mesmo, em coisa de três minutos complementada pelos versos de espera de Climério. "Os versos finais sobre Vilma e Maria Helena são de inteira responsabilidade do Climério", esquiva-se sorridente Ednardo.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Pergunte a você - Maviael Melo


Pergunte a você é a primeira faixa do primeiro álbum do cantador pernambucano Maviael Melo. Ela foi escrita em 2009 quando o poeta vivia um período de transição, de muitas perguntas: "permanecer em Salvador ou voltar pro Pernambuco?" "Como tornar a minha poesia mais útil?" " Como sair de uma relação?".

O poeta lembra que estava na casa da Mãe em Petrolina colocando o papo em dia. "Ela então lembrou a história de uma pessoa que tinha comprado um bem sem poder, e, por isso, entrou numa situação de endividamento. Ela concluiu o causo com a frase: 'Quem quer passar bem sem poder, passa mal sem querer'. Aquilo dialogou com tudo que vinha refletindo: sentei ali mesmo na área da casa e a música e a poesia nasceram juntas", conta Maviael.

A sabedoria de Dona Lourdes seria então eternizada em canção do filho; uma pérola musical que não passa em branco diante das perguntas e respostas que seus ouvintes trazem na consciência. "As respostas pra ela estão em cada perguntador. Todos nós vivemos a se perguntar o tempo todo. A mesma resposta para a mesma pergunta nem sempre é de fato o que se quer saber" , reflete Maviael.


domingo, 25 de junho de 2017

Berimbau - Aline Reis


Berimbau é uma canção escrita em 2007 pela cantora Aline Reis durante a sua passagem pela Faculdade de Sociologia e Política, onde se formou. “Sempre debatíamos muitos temas lá e a música surgiu no violão como fruto desses debates sobre os inúmeros problemas do Brasil”, explica Aline. 

O eu lírico da canção provoca e desafia o ouvinte em versos que afirmam elementos da cultura brasileira como a capoeira e o próprio berimbau; símbolos que traduzem também a postura musical de Aline: em protesto em Washington ela interpreta a música em frente à Casa Branca. 

“Na música evoco a capoeira como grito de liberdade, uma auto-defesa para enfrentar o inimigo. É a arma do trabalhador na condição de escravo dentro do sistema capitalista, fragilizado diante deste contexto de reformas sociais”, reflete Aline. Berimbau está no primeiro disco da cantora, lançado virtualmente no ano de 2016.

sábado, 24 de junho de 2017

Psicordélico - Psicordélico


A canção PsiCORDÉLico é uma parceria de Irênio Neto e Kitute Coelho lançada como videoclipe no último dia 12 de junho. Ela é o primeiro single e também dá nome ao projeto musical desta dupla de Irará. “Costumamos brincar que é uma letra autobiográfica. Ela nasceu da necessidade que tínhamos de definir um conceito pro trabalho e acabou se tornando a nossa 'descrição' sintetizada. O nome (PsiCORDÉLico), por ser um neologismo, às vezes a gente tinha que ficar explicando toda hora. Agora diminuiu: a gente já apresenta a música a quem pergunta”, revela Kitute. 

O encontro entre a psicodelia e o cordel ocorrido nas terras de Irará é reflexo da confabulação das bagagens artísticas do guitarrista Irênio Neto e do cordelista Kitute Coelho. “Quando Kitute me convidou pra ir na casa dele falar do projeto, me mostrou essa letra. Em cima dela eu fiz primeiro o riff da introdução, depois o resto do arranjo. Como a ideia principal do projeto era a mistura, joguei rock, hip hop, maracatu, samba reggae no caldeirão e fui dosando”, explica Irênio.
Além de apresentar a proposta do grupo, o primeiro clipe de PsiCORDÉLico - dirigido por Henrique D'Almeida - dialoga com a realidade social brasileira. “Procuramos fazer uma crônica do dia-a-dia, seguindo a tradição do cordel em que a música tem a função de conscientizar, sem deixar ao mesmo tempo de divertir”, reflete Kitute. Com a ajuda das redes sociais, o som PsiCORDÉLico encontra-se em livre circulação e já conquista apresentações em outras cidades da Bahia, como em Feira de Santana, dentro do projeto Feira Noise.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Eu Vou Deixar de Ser um Cara Vagabundo - Agnaldo Mattos


“Eu vou deixar de ser um cara vagabundo” é uma canção escrita em 1998 por Agnaldo Mattos como resposta às declarações do então presidente Fernando Henrique Cardoso que chamou os aposentados brasileiros de  vagabundos. "Me espantou a nossa passividade. O cara que falava aquilo tinha se aposentado com 37 anos, tendo contribuído menos de 15 anos com a previdência”, revela Agnaldo.


O cantor lembra que naquele dia sentou com o violão na rede da varanda de casa e refletiu as perspectivas do trabalhador brasileiro que mesmo depois de se submeter ao padrão social do trabalho ainda tinha de aguentar ser chamado de vagabundo no fim da carreira. De um pleno momento de ócio brotaria a sátira-canção do trabalhador que decide “deixar de ser um cara vagabundo/ para crer na burguesia desse mundo”.



“Eu já trabalhava em dupla jornada como menor aprendiz e sabia que o trabalho desempenhado não condizia com o salário; que a rotina privava muitos de buscarem soluções. Escrevi pensando nos aposentados que não tiveram tempo de aprender outra coisa na vida e naquele momento se encontravam frustrados”, explica Agnaldo. 


Quase duas décadas se passaram, mas o Estado social brasileiro segue punindo os seus futuros aposentados. Hoje encontra-se em tramitação no Senado um projeto de reforma da Previdência que, dentre inúmeras modificações unilaterais, propõe alterar mais uma vez a idade mínima para gozo e também os valores do benefício. Ou seja, a inquietação da música de Agnaldo Mattos segue pertinente, atualizada na função crítica da arte: “Eu vejo a arte desempenhando um papel similar ao que se atribui às universidades: um canal para a criação de sensações que promovam a reflexão. É através dela que criamos um caminho paralelo aos que fazem da comunicação um instrumento de domínio”, reflete o cantor.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Homem de Farda - Prince Áddamo



Homem de Farda é uma canção de Prince Áddamo gravada em seu primeiro disco solo Viva o Natural (2013). Ela foi escrita como uma resposta do cantor à marginalização que a sociedade condena aqueles que assumem a sua identidade, em especial ao papel que a polícia desempenha nas tentativas de condicionamento social. “Quando comecei a criar cabelo e comprei meu primeiro gorro - com as cores verde, amarelo e vermelho - a notícia começou a correr na cidade (Camacã) e minha avó pedia a minha mãe que eu parasse de usar a touca porque as pessoas já estavam dizendo que eu era maconheiro”, relata Prince.



No caso de Prince a identidade veio por meio da música reggae e da filosofia rastáfari. Em uma cidade de 30 mil habitantes, ele era um dos únicos a usar dreadlocks. E a covardia costuma fazer uso da força contra os mais fracos: Prince estava trabalhando quando foi vítima de sua primeira abordagem policial. “Pra mim foi um choque. Eu era um adolescente, mas aquilo ficou marcado. Anos se passaram e aí percebi o quanto a música revela aquilo que vivemos. Foi quando decidi me expressar sobre este fato, que na verdade é ampliado para todas as pessoas que trazem seus dreads, sua pele, sua música”, explica Prince.


Nos shows a resposta do público a “Homem de Farda” é imediata. Ao vivo a reflexão é ampliada com o pronunciamento de Prince em meio a uma atmosfera musical dub: “por que será que a porta do banco trava quando eu passo? Por que será? Na minha cintura eu não trago aço”. São versos que geram identidade nas pessoas diariamente constrangida pelas autoridades.“É o tipo de tema que você para e pensa: até quando teremos que escrever essas coisas? quando o estado vai parar de oprimir o seu povo? Não quero ofender a corporação, quero mostrar que a sociedade clama por justiça e que, muitas vezes, o próprio homem de farda é oprimido por quem está ocupando um cargo superior”, reflete o cantor.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Sonhos Diários e Imaginados


Sonhos Diários e Imaginados é uma canção escrita por Dimazz no ano de 2003. O cantor lembra que ela marcou a superação de uma resistência pessoal às músicas românticas.:
“Eu estava solteiro na época e achava a música romântica uma apelação, até que, a partir de uma conversa sobre almas gêmeas, me veio a ideia de escrever uma música para a mulher da minha vida antes mesmo de conhecê-la”, revela Dimazz.


Depois de escrita, Sonhos Diários e Imaginados passou a compor o repertório da banda Ópera Pinguim em que Dimazz assumia as guitarras e vocais. Ela só viria a ser gravada em 2012 no seu primeiro disco solo, Suíte Amandita. 



A interpretação vocal e as nuances oníricas do arranjo levam o ouvinte a passear na atmosfera romântica da canção, mesmo sem saber a quem se destinam os seus versos. “Com ela eu percebi que sempre fui romântico, desde criança. A letra é um diálogo imaginado que eu costumava ter todas as noites antes de dormir. As outras canções do disco são também românticas e vieram todas depois dela”, explica o cantor.

Sonhos Diários e Imaginados ganhou clipe com direção do fotográfo/videomaker Azevedo Lobo e interpretação da dançarina Vanessa Melo. Na película, imagens do cantor são intercaladas com os movimentos de Vanessa, ambos mergulhados em luminosidade que confere aspectos oníricos à narrativa. E pensar que toda esta execução ocorreu de improviso: “Eu estava no Rio, ia voltar pra Salvador de carro e resolvi passar em São Paulo porque sabia que Vanessa estava lá. Ela topou, Azevedo Lobo e Catarina toparam, daí tudo aconteceu”, agradece Dimazz.

terça-feira, 20 de junho de 2017

A Gente Leve - Fábio Rocha/Saulo Fernandes


A Gente Leve é uma canção escrita em parceria por Fábio Rocha e Saulo Fernandes. A letra surgiu a partir de uma conversa ocorrida durante um voo de avião, em que Fábio conheceu uma passageira a remoer no pensamento aquilo que lhe causava dor. Espirituoso, o baterista e guitarrista digeriu o papo até chegar na pergunta que abre a canção: “sabe o que acontece quando a gente esquece de pensar?”
                                                    Foto: Dôra Almeida
Aberto o caminho, nos versos seguintes Fábio escreveu respostas a partir de suas experiências pessoais: “Ela versa sobre a capacidade de perdoarmos e sermos mais porosos, menos sólidos aos acontecimentos da vida”, revisita o baterista. As estrofes caminham até que outra pergunta surge: “sabe o que acontece quando a gente cede ao perdoar?” Revelando a intimidade do seu processo de composição, Fábio responde a si mesmo citando os versos que encerram a canção: “A gente aprende que a magoa fere muito mais que o machucar. A gente então se aquece, a alma incandesce, e a gente então esquece de lembrar”.
Fábio relembraria daqueles versos ao receber do produtor Adriano Gaiarsa o convite para participar do próximo disco de Saulo. Através do aplicativo Evernote os versos foram compartilhados com o cantor que logo cuidou de vestí-los melodicamente, fazendo nascer “A Gente Leve”. A música foi gravada por Saulo no disco O Azul e o Sol (2016) e conta ainda com arranjos, violão e guitarra de Fábio.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Talismã - Luiz Gabriel Lopes/Chicó do Céu/Gustavito


Talismã (letra) é uma canção feita em parceria por Luiz Gabriel Lopes, Chicó do Céu e Gustavito. Ela foi escrita durante uma viagem que os três amigos fizeram, em 2013, partindo de Belo Horizonte rumo ao litoral da Bahia. “Foi uma trip em que a gente estava compondo várias coisas juntos, um processo fluente, os três com muitas ideias fermentando na cabeça”, detalha o guitarrista Luiz Gabriel.

O guitarrista lembra que subia uma das dunas de Itaúnas (ES) rumo a praia quando criou o riff inicial no violão. Logo improvisou em cima a melodia que daria origem a primeira estrofe. A canção seria finalizada depois do passeio junto aos amigos, todos sentados numa mesa de bar. “Ela reflete o clima praieiro desses dias, de uma expectativa, de acreditar na transformação das coisas: a imagem de liberdade e bem estar associada ao litoral”, reflete Luiz Gabriel. 


De volta de viagem, Talismã passaria a integrar o repertório da banda mineira Graveola, em que Luiz Gabriel Lopes atua como vocalista e guitarrista. Ela foi gravada pelo grupo em 2016 no disco Camaleão Borboleta. A faixa conta com a participação especial do cantor Samuel Rosa que agrega maresia ao clima “mineiros em busca do litoral”. 
“O Skank é uma referência pra nós da banda, traz uma memória afetiva forte de ter crescido ouvindo os discos deles. O Samuel foi super generoso, chegou junto no estúdio, curtiu a música e abrilhantou a gravação”, agradece Luiz Gabriel.

domingo, 18 de junho de 2017

O Caminhante - Dom e Ravel


Em 1974, a dupla de cantores Dom e Ravel lançou “O Caminhante” (letra), canção ousada por denunciar, em pleno  regime militar vigente, o problema da concentração fundiária no campo brasileiro. A faixa relata a luta de um camponês que onde quer que pise ouve “isto não é seu”; um drama até então oculto que ganharia projeção nacional duas décadas depois através das reações violentas às ocupações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra com o massacre ocorrido na região de Carajás, no Pará, em abril de 1996.

No livro “Eu não sou cachorro, não”, de Paulo César de Araújo, Ravel recorda que em 1974, por medo, as pessoas sequer pronunciavam a expressão “reforma agrária”. “Nós sabíamos que esse problema da exploração do trabalhador rural era muito grande no Brasil. Fazíamos os shows assim mesmo, cantando em galpões, fazendas, levando mordidas de mosquito, ficando atolado na estrada, vendo a miséria do povo, aquele povo simples que adorava música”, declarou em entrevista presente no livro.

Em um dos show da dupla, na região do Araguaia, a execução de “O Caminhante” foi o suficiente para que os cantores fossem verbalmente censurados. No final da apresentação foram abordados por uma pessoa ligada aos proprietários de terra da região que disse (transcrito de declaração ao livro): 

“Nós temos uma grande satisfação de recebê-los aqui sabemos que vocês ainda têm uma série de outros shows por toda essa região, então eu chamei você aqui para lhe advertir de uma forma muito amistosa: não cantem mais essa música nesses outros shows. Não cantem mais, porque vocês estão estimulando os nossos inimigos contra nós. E nós não admitimos isso.”, intimidou o preposto.


Acontece que na história Dom e Ravel ficariam marcados não como os revolucionários que escreveram "O Caminhante", mas como os autores da canção ufanista "Eu Te Amo Meu Brasil".  A música, que foi sucesso na gravação d' Os Incríveis em ritmo de marcha, se tornaria um símbolo da alienação propagada pelo regime enquanto tentava alardear o milagre brasileiro; um hit que vestia assim a ilusão de sucesso da ditadura.


sábado, 17 de junho de 2017

A Cigarra e a Formiga - Sílvio de Carvalho



A Cigarra e a Formiga é uma canção em que o cantor e guitarrista Sílvio de Carvalho reflete uma decisão que tomou para a vida: ser músico. “Aquele momento que tive de escolher entre trabalhar com a única coisa que eu sei fazer ou inventar uma profissão que eu pudesse desempenhar no automático sem muito esforço”, revela Sílvio.

Na atualização musical que o guitarrista faz da Fábula de Esopo, a função da Cigarra se engradece em reconhecer a própria função. “Acho que a obrigação do artista é ter tempo pra cantar. Claro que as coisas vão boas em uns tempos, fracas em outras, piores ainda depois, mas o que eu queria realmente é que a cigarra entendesse que o melhor que ela pode fazer é cantar”, explica o cantor.

                                                                         A Cigarra e A Formiga por Velotroz
Pois esta mesma canção serve de exemplo dos bons frutos colhidos a partir da sua escolha profissional. A Cigarra e Formiga já contava com duas versões de bandas por onde Sílvio havia passado (Dellas Frias e Velotroz) quando , em 2014, foi gravada em seu projeto solo e selecionada entre as finalistas do Festival de Música da Educadora FM em 2014 – indo direto para a programação da emissora.

                                 A Cigarra e A Formiga por Dellas Frias

“A seleção me surpreendeu muito, porque era uma música antiga e com uma produção assinada por mim: bateria de Luciano Tucunduva e eu tocando todos os outros instrumentos, mixando e finalizando do jeito que pude”, declara Sílvio.Hoje ele segue cantando, cumprindo a função de cigarra, como vocalista e guitarrista da banda Tabuleiro Musiquim que se prepara para lançar o EP Mano.



sexta-feira, 16 de junho de 2017

Fica com a Razão - Daniel Ayres


“Fica com a Razão” é uma canção de Daniel Ayres que nasceu debaixo do chuveiro. O cantor se banhava quando desenvolveu uma resposta melódica e bem humorada à discussão corriqueira que acabara de ter com a esposa. Na faixa, gravada no seu disco Falantes (2016), Daniel desencana de ter razão, oferecendo uma crítica aos limites da racionalidade humana. 





“A razão é um perigo, pois você acha que está bem situado e protegido, quando na verdade muitas vezes está super confuso e emotivo; usa a razão pra tentar esconder isso, fugir disso”, reflete o cantor. 

Profunda conhecedora dos hábitos argumentativos de Daniel, a sua sogra (argentina) contestou a canção logo na primeira audição. Virou para a filha e sentenciou: no le creo. “Eu pessoalmente canto ela muito pra mim mesmo, porque na verdade tenho dificuldades de largar a razão, sou uma pessoa muito racional e que gosta de polêmicas”, assume Daniel. 

Essa não é a primeira vez que o integrante do grupo infantil Badulaque trata da razão na forma de música. Ela é abordada também em “Desvenda-se”, gravada em seu primeiro disco solo lançado em 2005. Seriam esses frutos de um observador vigilante da realidade? “Algumas músicas vêm assim de repente, meio prontas e do nada. É uma questão de levar a sério, porque às vezes a tendência é ignorar as ideias que não foram programadas”, explica Daniel.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Lema - Carlos Rennó/Lokua Kanza


“Lema” (letra) é uma canção com letra de Carlos Rennó e música do congolês Lokua Kanza – parceiros que consolidaram a afinidade musical em 2005 com o lançamento do disco “Hoje” de Gal Costa, em que assinam três composições. Foi da escuta das interpretações de Gal, que Lema, a quarta parceria, nasceu: o cantor Ney Matogrosso ligou pessoalmente para Rennó pedindo uma música inédita da dupla.



“Acabei então por escrever esta letra que homenageia o Ney, naquilo que eu vejo nele e que coincide com aquilo que penso sobre o processo de envelhecimento. O Ney é um espírito jovem que inspira todos nós por envelhecer de uma forma sã, mantendo uma vitalidade, uma poesia, uma alegria de viver”, explica Carlos Rennó. Como fiel seguidor do “Lema”, Ney gravaria a canção, em 2008, no show Inclassificáveis, com performance marcante liderando uma banda de rock no alto dos seus 67 anos.



Os segredos do bom envelhecer feitos de oração na letra de Rennó podem também ser encontrados na sua prática diária, ao encarar a saúde como filosofia de vida. Ele é praticante de yoga há 18 anos e mantém uma dieta macrobiótica há 19. Como diz um dos versos, não costuma “lamentar a mudança que o tempo traz”: “Embora respeite, não me agradam as tentativas de mascarar as mudanças trazidas ao corpo pelo envelhecimento. Se envelhecer é tornar-se feio, então enfeiar-se é que na verdade é o que há de mais bonito”, reflete Rennó.

A pista da sabedoria o poeta deixa nas entrelinhas: eis uma canção sobre o envelhecimento, mas que não esquece de saudar a meninice em cada um de nós. “O maravilhamento que existe quando estamos conhecendo as coisas pela primeira vez, de fato se dá mais quando somos novos, mas nunca deixamos de sentir. Enquanto estivermos vivos estaremos aprendendo, sempre continuaremos meninos diante dos fatos novos que a vida traz”, explica o poeta e letrista.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Encrespei - Luana Assiz



A jornalista e cantora Luana Assiz vivia sua transição capilar quando escreveu a canção Encrespei. O estalo veio certa noite, em frente a TV, enquanto assistia ao seriado Mister Braun; no episódio em que a atriz Thaís Araújo afirmava diante de uma criança a beleza do seu cabelo crespo. “Isso não existia nos programas da minha infância. Ali eu parei pra refletir sobre a importância da representatividade no combate ao preconceito racial, do porquê não devemos negar o nosso próprio corpo”, explica Assiz.

                                                                                               Foto: Pedro Telles

Vivendo a sua negritude e livrando-se do padrão de alisamento capilar, Luana encontrou na música um canal para expressar a sua verdade, assumir-se diante do mundo: "Agora decidi parar de me esconder/ Eu vou pra rua com meu cacho 4C". E o seu canto ecoou: “O retorno que mais me emocionou foi de uma jovem que disse que a música foi o impulso que ela precisava para tomar a mesma decisão”, revela Luana.

A música Encrespei foi lançada como clipe - produzido pelo videomaker e designer Pedro Telles - no dia 20 de novembro de 2016, dia da celebração da consciência negra. Ela foi postada pela manhã e repercutiu nas redes sociais ao longo de uma semana, gerando convites para entrevistas e um retorno da própria Thaís Araújo, atriz que inspirou a canção.


Depois de "Encrespei" muita coisa mudou na vida de Luana: hoje ela estuda canto, produz conteúdo para o canal Vrá - em que entrevista mulheres com atuação social - e se prepara para uma temporada de trabalho em Angola. “A arte é um meio de empoderamento, de fortalecer as pessoas no enfrentamento de imposições culturais que levam muitas mulheres a uma mutilação química das suas raízes”, declara Assiz.

terça-feira, 13 de junho de 2017

CHEGA! - Ricardo Caian


CHEGA! é uma música de Ricardo Caian escrita para ontem. Em meio a crise moral vivida pelo Brasil, não dá nem mais tempo de seguir achando que está tudo normal. “Eu não costumo compor músicas tão rapidamente, mas essa saiu assim de pronto, em pouco mais de uma hora. Acredito que seja o desabafo de muita gente e a arte é a minha arma de guerra nesse momento”, explica Caian. 


O cantor baiano escreveu CHEGA! em frente à televisão, enquanto o noticiário da Globonews abusava do seu quarto poder para condenar as manifestações populares que exigiam a realização de novas eleições diretas – mais um episódio em que a acusação de vandalismo se sobrepôe a causa que levou as pessoas às ruas. “Eles não falam do vandalismo diário que é exercido pelo poder da caneta, da barbárie que é o poder público ser usado para governar em benefício próprio”, questiona o cantor.

A divulgação da canção foi feita com o cantor tocando em plena Praça Municipal. Com o olhar fixo para a câmera: um recado direto, preciso e necessário aos dias de hoje.Confere abaixo a letra:


CHEGA (Ricardo Caian)

Não era um bando de arruaceiros 
Não foi por causa de um futebol
É que o povo agora tem que agir ligeiro
Antes que nos cobrem luz do sol
Antes que chegue outro janeiro
Antes que eu rasgue outro lençol
Antes que nos tomem outro direito
Outras pedras vão jogar 
A gente quer diretas já

A gente não quer nenhum justiceiro
Mas ver a justiça funcionar
Não pra prender pobre jovem negro
Mas quem faz a miséria prosperar
Vândalos vestindo terno preto
Cínicos querendo te roubar
Nos vendendo por qualquer dinheiro
Como peixes no anzol
Não durmo nem com rouphynol

Chega desse jeito brasileiro
De ter seu pirão primeiro
De sorrir em estar melhor 
Que o outro logo ali
A contar cada real
Nesse país tão desigual
Chega desse jeito trapaceiro 
Desse jogo interesseiro 
De mentiras e mesóclises 
Mas vai cair sua casa e meu jogral
Democracia ou vai ter pau

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Amar é - ZecaCuryDamm

*Texto de Ricardo Cury, escritor, baterista e contador de causos do rock baiano

Era primavera de 2005. Eu e Damm tínhamos gravado um disco de música dos outros pra deixar nos bares. Todas as músicas no cajon, voz e violão. Jeff Buckley, Tears for Fears, Beatles, Sade, Secos e Molhados... Empolgado com a sonoridade, Damm sugeriu que voltássemos pro estúdio, porém com músicas próprias, e gravássemos um disco novo. No processo de composição, ele chegava lá em casa com a melodia e a ideia pra eu encaixar outras palavras. 

- Tô com essa ideia aqui “Se pego uma canção e faço dela a minha vida” – disse ele, entre o sol e o dó no violão. 

- Tiro o pé do chão e faço disso minha ida pro seu coração... 

E num jogo de frases em menos de 10 minutos a ingênua letra estava pronta. 

Era fácil compor com Damm, pois qualquer palavra sugerida, ele dava um jeito de colocar na melodia sem ficar forçado.

A ideia desse disco era gravar só com instrumentos desligados, usando só microfones para a captação, daí usamos as madeiras cajon, violão e baixolão, além de diversos instrumentos percussivos para preencher o ritmo ditado pelas madeiras. 

Na tarde que gravamos essa música, recebemos a visita de Glauber Guimarães, ex-Dead Billies, que, ao ouvi-la sugeriu colocar uma gaita. 

–  Posso levar pra casa e voltar amanhã? 

– Pode. 

Voltou com o arranjo e com a ideia pra um “oh yeah” que fica sendo dito diversas vezes, bem baixinho no fim da música, enquanto vozes da gente e de nossas companheiras vão falando por conta própria o que amar é. 


Comigo já fora da banda, em 2007, Damm conta que foi contatado por alguém da banda Jammil, querendo iniciar uma conversa para produzir a banda. Depois de algumas reuniões onde ele foi perguntado sobre o conceito estético e musical, falaram em um futuro com disco novo, shows e sugeriram que numa suposta regravação dessa música, poderiam convidar o cantor Bruno Gouveia do Biquini Cavadão, amigo deles, para participar dela. 

- Só que de repente eles pararam de atender nossas ligações e pouco tempo depois surge Jammil com uma música toda flower chamada Amar é, com um clip idem... e com o cara do Biquini Cavadão.

Em 2012, a agencia de propaganda do Shopping Barra nos contatou pedindo para usar a música como tema da campanha de Dia dos Namorados daquele ano. 

Quando lançamos o disco, em 2006, também recebemos um convite parecido, porém para a música “Eu e você no jardim”. Torci para que a coisa não se concretizasse e deu certo. Eu botava fé no rock e quando uma música vira jingle ela deixa de ser uma música para se transformar apenas em um... jingle. 

– Se rolar mesmo, nunca mais poderemos toca-la ¬– disse eu. 

Mas agora era 2012, tudo já tinha se dissolvido e algum a mais na conta bancaria é sempre uma conta a mais paga.


                            Feliz Dia dos Namorados!