quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Singles de 2017

Como toda lista, essa é uma amostragem que se limita a produção musical de 2017 que este redator ouviu durante o ano.Ela pretende dialogar com outros recortes semelhantes e assim contribuir para a promoção e o consumo da música brasileira. Nem todas as faixas da lista foram necessariamente trabalhadas pelos artistas como single, considerando que este é um formato em constante mutação. 
Falemos de 2017: o permanente estado de crise moral e ética vivido pelo país durante este ano fez dele um longo episódio de aventuras anti-democráticas em que políticos, juristas, mídia, artistas e cidadãos se movimentaram muito; mas a todo tempo pareciam estar perdidos entre as propostas de avanços e retrocesso anunciadas. Um estado de delírio vivido nas cidades brasileiras que se encontra refletido também nas músicas produzidas ao longo do ano.  

Melhores Quanto ao Carnaval - Escambau
Em "Melhores Quanto ao Carnaval" a banda curitibana Escambau entrega ao cidadão brasileiro uma pérola pop-irônico-reflexiva, uma faixa envolvida na missão de despertá-lo do estado de letargia. É um rock certeiro: mira na linguagem frenética para puder dar um sacode na hipocrisia nossa de cada dia. A faixa foi o primeiro single do álbum Sopa de Cabeça de Bagre em que a banda reflete outros temas caros à atual situação brasileira.

Calma – Maglore
Escrita pelo baixista Lucas Oliveira durante os ensaios de pré-produção do disco Todas As Bandeiras (2017), "Calma" é uma carta sincera de amigo para amigo - daquelas que hoje em dia só estão sendo encontradas mesmo em formato de canção. Segundo conta o próprio Lucas, ela foi inspirada em um momento de superação do vocalista Teago. A pureza da faixa amplia o alcance de sua mensagem: lembra o ouvinte de que é possível enfrentar a realidade de maneira positiva, sem necessariamente ter de soar piegas ou alienado. Se 2017 foi um ano de superações, concerteza ele careceu também de muita calma em suas horas.

Seu Lugar - Irmão Carlos

Nos debates sociais que marcaram o ano de 2017, a discussão sobre o lugar de fala se fez cada vez mais presente. O empoderamento feminino, a luta contra à discriminação racial e à homofobia foram algumas das pautas enriquecidas por esta perspectiva. E na música brasileira também tivemos bons exemplos de sucesso ao reunir identidade, discurso e arte. Pincelamos aqui "Seu Lugar" - single do primeiro álbum solo do multi-artista e produtor baiano Irmão Carlos. Na letra autobiográfica o cantor revisita as barreiras sociais que enfrentou (e enfrenta) para  conquistar o seu lugar na cena musical, contesta a 'meritocracia' de seu interlocutor e afirma de boca cheia "eu tô no pódio com você!".  A faixa marca um novo passo na carreira musical de Irmão Carlos em disco homônimo que apresenta elementos de sua formação funk e rock’n roll.

Banho de Folhas - Luedji Luna
Uma das grandes revelações da música brasileira em 2017, Luedji Luna lançou o disco Um Corpo no Mundo como o desabrochar de uma grande artista: seu canto tem maturidade, diversidade, universalidade.Em "Banho de Folhas" encontramos uma canção do ar puro que ainda pode ser encontrado no cotidiano; da força de uma tradição que será devidamente legada e atualizada sem folclore ou estereótipo, uma música de poder real.  

As Caravanas - Chico Buarque
Às vezes não nos damos conta da grandiosidade que é viver no tempo de artistas como Chico Buarque, da riqueza que a sua experiência e talento podem conferir a realidade. Em "As Caravanas", Chico  encarna a sua faceta cronista para dissecar a hipocrisia da discriminação social brasileira. Faz bom uso da ironia atribuindo ao Sol a culpa pela presença dos suburbanos nas praias da zona Sul do Rio de Janeiro. Afinal, ainda não nos reconhecemos como habitantes de um país tropical e muito ainda se gasta com palavreado sobre nossa propensão à preguiça, à bebedeira, blá, blá, blá... aqui temos uma canção poderosa sobre o nosso eugenismo enrustido: prerrogativa que ainda é utilizada para julgar o negro, para marginalizá-lo, para excluí-lo.E por que não dizer, para violentá-lo?. “Filha do medo, a raiva é mãe da covardia”. 

Invisível – Baiana System
Com o recheio luminoso do canto das crianças (filhos do Curumin), a Baiana System utiliza de sua alquimia musical para emitir uma alerta sobre a perda da compaixão nas relações humanas. Uma faixa de batida contagiante, uma melodia pra cantar junto e um clipe belo/reflexivo. 

Atrás de Você – Otto
O galego acerta em cheio mais uma vez ao cantar o Amor. O disco Ottomatopeia é repleto de boas canções, "Atrás de Você" se destaca pela coesão do arranjo: um groove percussivo conduzido por um riff de guitarra fuzz. No meio dessa amálgama, o pernambucano passeia em interpretação convincente: canta o amor que, ao mesmo tempo que machuca, é também capaz de curar. 

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Maria Joana - Erasmo Carlos

* depoimento de Erasmo Carlos concedido e publicado no livro "Contos do Rock - História dos Bastidores do Rock Brasileiro Contadas por quem estava lá" de Daniel Ferro

"Com a contracultura dos anos 60, aquela coisa maravilhosa, o mundo dominado pela filosofia hippie do paz e amor, faça amor, não faça guerra, logicamente aquilo gerou muitos modismos, e um dos modismos principais foi a maconha, a descoberta das drogas. E aquela coisa toda foi logicamente imediatamente adotada pelos intelectuais e pelos artistasdo mundo inteiro, inclusive por mim. 
E aí vim pro Brasil com aquela coisa na cabeça de marijuana porque eu fui numa boate em Israel, em Tel Aviv, e quando entrei tinha um som louco, um calypso maravilhoso e o cara falava 'i like marijuana, i like marijuana', e eu disse 'vou fazer uma música chamada Maria Joana'. Fiz essa música e logicamente a censura implicou. Eu fiquei numa sinuca: 'que eu vou fazer, que eu vou falar lá com os hômi?' Aí lembrei que eu tinha lido no jornal que meu amigo Nelson Motta, que era casado com a Mônica na época, esse casal ia ter uma filha e o nome dela seria Joana. Liguei pro Nelson e disse 'vou dizer que fiz a música pra sua filha'. , e o Nelson falou 'mas, Erasmo, a minha filha não se chama Maria Joana, ela se chama Joana' e eu digo 'cara, vou dizer que ela ia se chamar Maria Joana, depois vocês desistiram, tiraram o Maria, e eu já tinha feito a música'. 
Mas não colou. Não colou não. Aí a censura me proibiu de cantar nos shows e a execução em rádio. Só foi o possível o lançamento no disco. Então eu nunca tinha cantado essa música até agora (no show Meus Lados B)"

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Bahia Jamaica - Jorge Alfredo/Chico Evangelista


*Texto escrito pelo compositor Jorge Alfredo Guimarães

Eu estava deitado na cama de um quarto de hotel, exausto, já era tarde da noite, tinha acabado de sair do banho, quando me surgiram esses versos: “quem falou tem a cabeça branca de muitas canções que falam do mar da Bahia; tambor que bate aqui é o tambor que bate lá... Bahia, Jamaica – um ponto de encontro entre eu e você.” Eu me lembrava do que dissera Dorival Caymmi numa entrevista, e os versos vieram assim inteiros... Eu peguei uma agenda, que levava comigo, e escrevi pra não esquecer. Mas, não foi o suficiente para eu relaxar e pegar no sono. Então, peguei o interfone e liguei pra Chiquinho, que estava no quarto ao lado. Felizmente, ele atendeu. Eu disse; “- Evans, que bom que você ainda está acordado! Chegue mais! Parece que consegui fazer a letra da música que vai dar nome ao nosso disco!” Chico Evangelista em menos de 5 minutos já estava buzinando na porta, trazendo o Ovation numa mão e um baseado já apertado na outra. Antes que o dia amanhecesse a música já estava pronta e gravada num minúsculo gravadorzinho que eu tinha ganho de presente de Oliveira Bastos, quando trabalhei no Diário de São Paulo. 
Foto: Nicia Guerriero

O ano era de 1980. A gente estava no Rio de Janeiro. Viemos nos apresentar no alto da Urca, inaugurando o projeto de Nelson Mota, o Noites Cariocas. Viemos de São Paulo com a banda completa; Dino Vicente, nos teclados, Gigante Man, na bateria, Toni Costa, na guitarra, Cid Campos, no baixo, Cezinha, na percussão. Teve canja de Pepeu Gomes e tudo o mais... Sucesso absoluto de público nas duas noites, mas, para nossa surpresa, não tinha cachê nenhum para a gente. Foi aquele vexame! Eu perguntava incrédulo; “- Pô, mas pelo menos tem que ter o cachê da banda!”. Mas não adiantava... Pra compensar, no dia seguinte tínhamos agendado um compromisso com um empresário carioca, que nos chegou através da Gravadora Copacabana, um show coletivo numa dessas Feiras de Animais, Agropecuária, sei lá, na Grande Rio, que era só pra mim e Chiquinho, a gente cantaria 3 ou 4 músicas de violão no final do show, sem banda. O que a gente quisesse, só não podia faltar o Rasta Pé. Pagamento em dinheiro vivo, sem recibo, nada... Então, lá fomos eu e Chiquinho cantar nesse evento pra pagar os cachês dos músicos do show dos Noites Cariocas. A Banda Axé não podia compartilhar com a gente desse “calote”. 
Foto: Nicia Guerriero

Foi na volta dessa mini apresentação, ao ar livre, para um público de mais de dez mil pessoas, que vim conversando com Chiquinho, no carro que nos trazia de volta pro Hotel, da minha vontade de fazer uma música que sintetizasse o nosso encontro musical. A gente já tinha estúdio agendado em São Paulo pra gravar o LP da “dupla. Porque há um ano atrás, no Festival da Tupi, no final de 1979, o “Reggae da Independência” agradou, mas, causou muito mais estranheza do que a gente imaginava. Meses depois, em abril de 1980, o “Rasta Pé” atingiu em cheio o grande público, foi classificada pra grande final do Maracanãzinho e estourou nas rádios. E o pessoal da gravadora queria gravar um Lp antes da finalíssima do Festival MPB Shell, da Rede Globo. E eu comentava com Chiquinho a minha surpresa sobre o convite de Paulinho Boca de Cantor, pra que ele tocasse violão no “Vestido de Prata”. E Chiquinho me dizia: “- Jorginho, ele quer aquele swingue... é samba, é reggae... todos piram com sua música; parece samba, mas não é...” Quando decidimos pelo nome do nosso LP, prevaleceu o meu argumento de que “Bahia Jamaica” contemplava muito mais o que fazíamos. Samba e reggae eram apenas dois ritmos, pra mim. E a gente sempre misturava tudo, tinha também blues, frevo, até guarânia... Só tinha um problema, eu dizia; A Bahia é um estado e a Jamaica, um país, mas a kaya é uma só! E Chiquinho morria de dar risada.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Arranca-Rabo - Pedro Dum

Arranca-Rabo é uma canção autobiográfica de Pedro Dum gravada junto a banda Encomenda. Em sua levada balançada de funk-rock, a faixa amplia um tema quase que universal: os pequenos desentendimentos de rotina que se tornam uma tempestade nos relacionamentos em crise. "Ela surgiu a partir de uma batida do violão de João Bosco, ainda nos tempos pré-internet: ouvindo e tentando reproduzir no instrumento. Até a ideia dela de soar uma crônica musical veio dele. Ela me permitiu realizar em música o estado de catarse", explica Pedro. 
A composição foi apresentada à banda pela primeira vez em estúdio, inclusive com a presença da destinatária. O curioso foi que a moça gostou da música de primeira, a ponto de perguntar a Pedro sobre a autoria. Ele tergiversou e deu os créditos ao percussionista. "Eu já me sentia ali chegando com elementos novos e ecléticos, com uma canção que não tinha o apelo rock'n roll - que era a linguagem mais fluente do grupo e ainda mais essa", sorri Pedro.   
Em 2011, Arranca-Rabo foi escolhida a melhor canção da edição do Festival de Música da Educadora. O grupo inicialmente havia eleito Solar para a disputa, mas pela insistência da banda e do produtor Irmão Carlos gravaram e inscreveram também Arranca-Rabo. "Ele viu que no ano passado a gente tinha disputado com uma música finalista, e então resolveu apostar. Ele dizia:'a gente divide, bota aí pra pagar a perder de vista, mas tem que gravar'", conta Pedro.  Pois deu certo: a irônica letra de Arranca-Rabo ganhou o arranjo inventivo da Encomenda e conquistou a empatia musical dos júris.

domingo, 3 de dezembro de 2017

O Que Eu Quero Levar - Lívia Mattos/ Loic Cordeone

"O que eu quero levar" é uma parceria da sanfoneira Lívia Mattos com o acordeonista franco-português Loic Cordeone. Lívia lembra que a canção nasceu no período em que residiu em Paris, o conheceu o Loic. "Ele me mostrou sons do Haiti, referências que achava que tinham a ver com o meu som. Eu pirei no kompa haitiano. Ele pegou a sanfona e começou a fazer uma levada interessante. No mesmo dia me veio a melodia e a ideia da letra", conta Lívia. 
A faixa foi lançada no álbum Vinha da Ida (2017) - o primeiro trabalho solo de Lívia Mattos - e conta com a participação especial do acordeonista Toninho Ferragutti. O resultado é um balanço contagiante conduzido por uma letra direta e libertária. "Acabou que ela transversalizou com as minhas referências, o meu modo de tocar a levada; misturou com o som dos terreiros e deu no que deu", comenta Lívia.