quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Bahia Jamaica - Jorge Alfredo/Chico Evangelista


*Texto escrito pelo compositor Jorge Alfredo Guimarães

Eu estava deitado na cama de um quarto de hotel, exausto, já era tarde da noite, tinha acabado de sair do banho, quando me surgiram esses versos: “quem falou tem a cabeça branca de muitas canções que falam do mar da Bahia; tambor que bate aqui é o tambor que bate lá... Bahia, Jamaica – um ponto de encontro entre eu e você.” Eu me lembrava do que dissera Dorival Caymmi numa entrevista, e os versos vieram assim inteiros... Eu peguei uma agenda, que levava comigo, e escrevi pra não esquecer. Mas, não foi o suficiente para eu relaxar e pegar no sono. Então, peguei o interfone e liguei pra Chiquinho, que estava no quarto ao lado. Felizmente, ele atendeu. Eu disse; “- Evans, que bom que você ainda está acordado! Chegue mais! Parece que consegui fazer a letra da música que vai dar nome ao nosso disco!” Chico Evangelista em menos de 5 minutos já estava buzinando na porta, trazendo o Ovation numa mão e um baseado já apertado na outra. Antes que o dia amanhecesse a música já estava pronta e gravada num minúsculo gravadorzinho que eu tinha ganho de presente de Oliveira Bastos, quando trabalhei no Diário de São Paulo. 
Foto: Nicia Guerriero

O ano era de 1980. A gente estava no Rio de Janeiro. Viemos nos apresentar no alto da Urca, inaugurando o projeto de Nelson Mota, o Noites Cariocas. Viemos de São Paulo com a banda completa; Dino Vicente, nos teclados, Gigante Man, na bateria, Toni Costa, na guitarra, Cid Campos, no baixo, Cezinha, na percussão. Teve canja de Pepeu Gomes e tudo o mais... Sucesso absoluto de público nas duas noites, mas, para nossa surpresa, não tinha cachê nenhum para a gente. Foi aquele vexame! Eu perguntava incrédulo; “- Pô, mas pelo menos tem que ter o cachê da banda!”. Mas não adiantava... Pra compensar, no dia seguinte tínhamos agendado um compromisso com um empresário carioca, que nos chegou através da Gravadora Copacabana, um show coletivo numa dessas Feiras de Animais, Agropecuária, sei lá, na Grande Rio, que era só pra mim e Chiquinho, a gente cantaria 3 ou 4 músicas de violão no final do show, sem banda. O que a gente quisesse, só não podia faltar o Rasta Pé. Pagamento em dinheiro vivo, sem recibo, nada... Então, lá fomos eu e Chiquinho cantar nesse evento pra pagar os cachês dos músicos do show dos Noites Cariocas. A Banda Axé não podia compartilhar com a gente desse “calote”. 
Foto: Nicia Guerriero

Foi na volta dessa mini apresentação, ao ar livre, para um público de mais de dez mil pessoas, que vim conversando com Chiquinho, no carro que nos trazia de volta pro Hotel, da minha vontade de fazer uma música que sintetizasse o nosso encontro musical. A gente já tinha estúdio agendado em São Paulo pra gravar o LP da “dupla. Porque há um ano atrás, no Festival da Tupi, no final de 1979, o “Reggae da Independência” agradou, mas, causou muito mais estranheza do que a gente imaginava. Meses depois, em abril de 1980, o “Rasta Pé” atingiu em cheio o grande público, foi classificada pra grande final do Maracanãzinho e estourou nas rádios. E o pessoal da gravadora queria gravar um Lp antes da finalíssima do Festival MPB Shell, da Rede Globo. E eu comentava com Chiquinho a minha surpresa sobre o convite de Paulinho Boca de Cantor, pra que ele tocasse violão no “Vestido de Prata”. E Chiquinho me dizia: “- Jorginho, ele quer aquele swingue... é samba, é reggae... todos piram com sua música; parece samba, mas não é...” Quando decidimos pelo nome do nosso LP, prevaleceu o meu argumento de que “Bahia Jamaica” contemplava muito mais o que fazíamos. Samba e reggae eram apenas dois ritmos, pra mim. E a gente sempre misturava tudo, tinha também blues, frevo, até guarânia... Só tinha um problema, eu dizia; A Bahia é um estado e a Jamaica, um país, mas a kaya é uma só! E Chiquinho morria de dar risada.

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